Monto na minha motocicleta envenenada e acelero. Quero deixar para trás todas as trapalhadas e desventuras. Não é intencional, mas sou muito distraído.
Minha filha adolescente entra em casa exibindo uma tira de pano entre os dedos, bem esticada e dispara:
- Pai! Veja o que eu comprei...
- Isso é uma “xuxa”? Um prendedor de cabelos?
- Não, pai! Isso é um biquíni!
- Putz! – exclamo – Para que esse daí, se já está usando um biquíni?
- Isso é uma camiseta e uma bermuda, pai... – ela faz aquela cara de quem não consegue compreender a estupidez humana.
- Vai já prá loja devolver isso e trocar por um macacão...
Minha mulher apresenta a lista de compras do mês e descubro que vou ter que aprender a fabricar dinheiro. É por isso que acho que os falsificadores não deveriam serem punidos.
Ligo a tv e fico trocando os canais, buscando alguma coisa de útil. Para ser sincero, só os comerciais têm alguma coisa de instrutivo, mesmo assim, somente alguns. Em um canal está passando o comercial do Jeremias e suas garotas, que foram embora porque ele desperdiçava desodorante. Fico mudando os canais instintivamente, enquanto tento entender a mensagem do comercial. Por que diabos as garotas abandonaram o cara, afinal? Por que o desodorante que ele usava pingava e desperdiçava?
Viajo na maionese, imaginando o Jeremias gastando dinheiro com desodorante que pinga. No fim do mês, ele vê o que sobrou do seu pagamento e descobre, na porta da zona, que o restolho do salário só dá para traçar o traveco que vende camisinhas na entrada. Se benze e vai embora, com o corpo pingando desodorante.
Sorrio satisfeito. Finalmente entendi o comercial. Meus dedos frenéticos no controle remoto não descansam. O namorado da minha filha comenta que a avó dele, que está gagá, também fica trocando os canais da tv, de modo compulsivo, assim mesmo. Solto um palavrão e saio da sala.
Vou para o aparelho de som e procuro uma estação de rádio. Égüinha Pocotó para cá e para lá. Uma estação está tocando Lacraia. Isso já está demodée. Finalmente encontro uma estação tocando Sultans Of Swing, com Dire Straits. O som é fantástico. Aumento o volume e minha filha vem correndo e abaixa o som. A música termina e o radialista avisa que teremos mais uma hora de música antiga. Antiga? Irritado, desligo o aparelho e descubro o meu problema: velhice.
O tempo é inexorável. Envelheci. Num repente, em um piscar de olhos. Minha barriga estufou, meus cabelos embranqueceram e descubro que a minha missão foi apenas envelhecer.
Solto um grito e acelero a moto.
- Nem fudendo!
J. Miguel (01fev2005)
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